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Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos

O Projeto Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos, coordenado pelo Instituto O Direito por um Planeta Verde tem como meta fomentar o desenvolvimento de instrumentos regulatórios relacionados às mudanças climáticas nos países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela, integrantes do Tratado de Cooperação Amazônica. LEIA MAIS

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14/01/2014

Nunca nos últimos 800 mil anos tivemos concentrações tão altas de gases de efeito estufa


A Redação do Planeta Verde entrevistou o primeiro glaciólogo brasileiro, Jefferson Cardia Simões. O cientista é coordenador do Programa Antártico Brasileiro e participa do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) como revisor de capítulos sobre a criosfera e a paleoclimatologia.

Confira a entrevista!

O que são os testemunhos de gelo e o que eles contam sobre as mudanças climáticas?

Testemunho de gelo é um jargão que os cientistas que trabalham com gelo e neve, os glaciólogos, usam para chamar aqueles cilindros que nós coletamos através de perfurações das geleiras e dos grandes mantos de gelo e que representam a neve que precipitou no passado. Basicamente, essas geleiras são formadas pela constante precipitação de neves que acumula através de milhares e milhares de anos. Assim os cientistas vão a essas regiões, principalmente as duas regiões polares que formam esse gelo, recolhem essas amostras e fazem uma bateria de análises químicas. Com isso o cientista consegue reconstruir ou contar uma história bonita sobre a composição química da atmosfera e sobre as variações do clima do passado.

Até quantos anos atrás o gelo consegue ir?


O poço que atingiu o gelo mais antigo do mundo tem 800 mil anos de idade. Ou seja, nós conseguimos uma história longa que cobre grande parte da evolução da espécie humana.

E o que foi descoberto até agora com as pesquisas sobre a química da atmosfera encontrada no gelo?

O que nós sabemos claramente desses dados é que o clima sempre variou em diferentes escalas de tempo. Nós temos variações climáticas nas escalas de anos, décadas, centenas de anos e milhares de anos. Fases mais quentes, às vezes mais frio, mais seco, mais úmido, ventos mais fortes, mais fracos. Podemos identificar as diferentes idades do gelo, nós sabemos que tivemos oito idades do gelo nos últimos 800 mil anos e também identificamos períodos do clima similares ao nosso. Basicamente, o que dizem esses registros é que variações climáticas são algo comum no clima.

Mas, por outro lado, nós também conseguimos ver a interferência da espécie humana na composição química da atmosfera, principalmente após o início da revolução industrial, ou seja, os últimos 220 anos. Certamente o dado mais relevante e mais importante que nós vemos nesses testemunhos de gelo é que nunca, nos últimos 800 mil anos, a concentração dos dois principais gases estufa, o CO2, dióxido de carbono, e o CH4, metano, estiveram tão altos quanto as concentrações que nós temos ao longo dos últimos 60 anos.

Quais são as consequências dessa interferência?

Nós sabemos muito bem que o processo do efeito estufa é um processo natural que mantém a temperatura média do planeta nos agradáveis 14°C. Se não fosse o efeito estufa que, na verdade, retém parte da energia longa emitida ao espaço pelo planeta Terra, o planeta seria 30°C mais frio, então isso é essencial para a vida que conhecemos. Por outro lado, como nós estamos colocando mais desses gases, inclusive gases que nem existiam antes do advento da industrialização, isso está gerando uma intensificação do efeito estufa, que todos os sinais apontam para um aumento da temperatura atmosférica, que hoje é estimada de 0,8°C nos últimos 160 anos.

O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês) divulgou em seu último relatório que há 95% de certeza da influência humana no processo das mudanças climáticas e que, desde o último relatório em 2007, essa interferência inclusive aumentou. Como você, na qualidade de consultor do IPCC, enxerga esse cenário?

Está se confirmando o cenário de aumento de temperatura. Houve uma diminuição dessa taxa de aumento, está mais lento do que estava há dez anos atrás, não se sabe ainda o motivo, os estudos estão sendo feitos. Por outro lado, as geleiras que nós observamos estão derretendo nos trópicos e nas regiões temperadas. Elas continuam a derreter e a derreter, inclusive mais rapidamente, o que vai contribuir para o aumento do nível do mar.

Nós estamos vendo mudanças na acidez do oceano, pois o oceano está absorvendo mais dióxido de carbono, estamos vendo também o aumento da frequência de alguns eventos extremos em algumas partes do planeta, como enchentes e secas. Ou seja, o cenário que está sendo apresentado esse ano, no final de 2013, início de 2014, é muito similar ao de 2007 e não mudou quase nada da nossa visão de 2007. Tudo aponta que, se continuarmos nessa atitude de laissez-faire, qualquer coisa vale, sem controle dos gases estufas, a situação só tende a se agravar.

Ainda no final de 2013 tivemos, além da publicação do IPCC, a publicação do relatório do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. Como o senhor avalia essa interação dos conhecimentos científicos com as decisões políticas e econômicas, como na COP-19?


O cientista pode identificar mudanças, propor cenários para o futuro, dizer o que poderia ser feito, mas a decisão final é política. É uma decisão que envolve fatores econômicos, fatores políticos, fatores relativos a valores da nossa percepção e da nossa relação com o meio ambiente. E ainda continua muito difícil, principalmente para os países que estão mais desenvolvidos e ao mesmo tempo tem uma malha energética muito forte na queima de hidrocarbonetos e que não cedem.

Nós temos que ver toda a questão das mudanças do clima como uma oportunidade para nós pensarmos como é nossa relação como esse planeta. Cedo ou tarde, nós vamos ter que gestionar melhor esse planeta. Os recursos são finitos e principalmente a resiliência do meio ambiente aos nossos impactos também tem seus limites.

O senhor identifica alguma interferência política na divulgação dos dados científicos sobre as mudanças do clima na sociedade?

Uma coisa é a informação científica gerada pelo cientistas e 98% deles tem claramente os indícios, não só de uma mudança do clima, mas também que grande parte dessa mudança é humana. Existem os outros 2%, alguns são artigos sérios. Infelizmente, muitos dos ditos negacionistas são pessoas ligadas a grupos de pressão induzidos por algumas indústrias mais conservadoras ou por questões ideológicas ou mesmo religiosas. Elas não aceitam a questão de mudança do clima e tem financiado campanhas de desinformação.

A grande questão e embate que temos aqui é a confusão que alguns setores da imprensa ainda fazem entre conhecimento científico e um debate de opiniões. Ciência não é opiniões. Ciência é baseada em evidências. Só porque você tem uma opinião diferente dessas evidências não quer dizer que ela tenha que receber o mesmo peso. Existe uma má compreensão da imprensa, quando ela tenta dar pesos iguais para grupos com relevâncias diferentes.

Existe algum elemento que falta para que finalmente tenhamos um acordo climático que realmente possa fazer a diferença?


A grande dificuldade da negociação é quem vai pagar a conta. Certamente os vários lados terão que ceder, os países que querem se desenvolver terão que ter algum processo de geração de energia mais limpa, mas não pode ser impedido o seu desenvolvimento. Os países desenvolvidos tem que transferir o know-how, o conhecimento tecnológico para a geração de energias mais limpas, para os países que querem aumentar a sua qualidade de vida com uma produção industrial mínima. Ninguém está falando aqui de artigos de luxo ou de alto nível, lembre-se que as revoluções que estão ocorrendo, tanto na China e que vão ocorrer brevemente na Índia, muitas vezes é para a pessoa ter uma casa própria, com um fogão, com uma geladeira e mais algum eletrodoméstico, não é nenhum artigo luxuoso.

Fonte: Sarah Bueno Motter/ Redação Planeta Verde


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