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Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos

O Projeto Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos, coordenado pelo Instituto O Direito por um Planeta Verde tem como meta fomentar o desenvolvimento de instrumentos regulatórios relacionados às mudanças climáticas nos países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela, integrantes do Tratado de Cooperação Amazônica. LEIA MAIS

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30/11/2010

Entrevista aborda o SISA - Sistema de Incentivo a Serviços Ambientais do Estado do Acre


Confira a entrevista exclusiva para o Projeto com Rodrigo Fernandes das Neves, Procurador-chefe da Procuradoria de Meio Ambiente da Procuradoria-Geral do Estado do Acre, Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, acerca do SISTEMA DE INCENTIVO A SERVIÇOS AMBIENTAIS DO ESTADO DO ACRE (LEI ESTADUAL N.º 2.308/2010).

Qual o objetivo do Sistema de Incentivo a Serviços Ambientais do Estado do Acre, o chamado SISA?
Como todos sabem a Amazônia - que guarda imensas reservas biológica e cultural - tem como principal problema ambiental a implantação de um modelo econômico que se baseia na exploração intensiva de recursos naturais, favorecendo uma produção de riquezas baseada na retirada da floresta e a conseqüente utilização da queima no processo produtivo. Nesse sentido, essas atividades relacionadas ao uso convencional das terras e florestas na Amazônia e no Cerrado (desmatamento e degradação) representou aproximadamente 58% do total das emissões líquidas (emissões brutas menos remoções) de gases de efeito estufa produzidos pelas atividades humanas em 2005 no Brasil.

Nesse contexto, é evidente que um compromisso ético com o planeta e as futuras gerações passa pela criação de um mercado baseado em novos valores, que internalizem os efeitos perversos de atividades que não se sustentam ao longo do tempo – seja do ponto de vista econômico, social ou ambiental. O Estado do Acre, assim, assumindo a responsabilidade que lhe cabe, apresenta-se como pioneiro ao criar a institucionalidade necessária para o desenvolvimento e a manutenção de um sistema de incentivo a serviços ambientais - o chamado SISA - que objetiva a consolidação de uma eco-economia de baixa intensidade de carbono e uso sustentável dos recursos naturais, aliado ao desenvolvimento econômico e social de toda a sua população por meio do incentivo a serviços que conservem e protejam o meio ambiente.

Mas o que é o SISA, exatamente?
O SISA é um sistema que criou certas instituições e procedimentos necessários à implantação de uma série de incentivos à produção e manutenção de serviços ambientais nas suas mais diversas formas: carbono florestal nas vertentes de redução de emissões de gases de efeito estufa por desmatamento evitado (REDD) ou por reflorestamento (modelo consagrado no protocolo de Quioto), recursos hídricos, beleza cênica, regulação do clima, conservação do solos, dentre outros.

Dentre esses serviços, o que já está preparado para o estabelecimento de um modelo de financiamento é o mercado de carbono, razão pela qual a Lei do SISA detalhou mais esse programa (ISA Carbono). Por meio do ISA Carbono foram criados instrumentos de incentivo e financiamento de uma mudança estrutural no modelo de desenvolvimento, de maneira a consolidar modelos de produção sustentáveis tanto na esfera pública quanto privada, baseados na redução das emissões decorrentes de desmatamento e degradação florestal.

Com esse mecanismo poderão ser aumentadas a produtividade, desenvolvidas novas tecnologias e criadas novas formas de remuneração das unidades rurais, fazendo surgir oportunidades de negócios para uma melhor qualidade de vida da população no Estado, em benefício da coletividade global.

Em síntese, pode-se dizer que o SISA é um conjunto de princípios, diretrizes, instituições e instrumentos capazes de proporcionar uma adequada estrutura para o desenvolvimento de um inovador setor econômico do Século XXI: a valorização econômica da preservação do meio ambiente por meio do incentivo a serviços ecossistêmicos.

Quais as instituições que foram criadas para gerir o SISA?
Uma das questões de maior complexidade do SISA foi o estabelecimento de seu arranjo institucional. Um dos grandes avanços do projeto acreano é a proposição de um arranjo que de fato garanta a perpetuidade do Sistema, satisfaça a necessidade de confiabilidade exigida pelo mercado e, ao mesmo tempo, não renuncie às diretrizes e princípios debatidos e pactuados com a sociedade. Foram criadas, portanto, as seguintes instâncias: Instituto de Regulação Controle e Registro; Comissão Estadual de Validação e Acompanhamento; Agência de Desenvolvimento de Serviços Ambientais do Estado do Acre; Comitê Científico; e uma Ouvidoria. Assim, o modelo acreano de governança estabelece a necessidade de se atuar em três âmbitos distintos: mediação pública; investimento privado; participação e controle social.

Em relação à mediação pública do Programa, propôs-se a criação de um Instituto de Regulação, Controle e Registro, com competência para estabelecer as normas complementares do SISA, aprovar e homologar as metodologias de projetos, efetuar o pré-registro e o registro dos subprogramas, planos de ação e projetos especiais, bem como a emissão e registro dos serviços e produtos ecossistêmicos. Terá por competência, ainda, o controle e o monitoramento da redução de emissões de gases de efeito estufa, dos planos e projetos dos programas e o cumprimento de suas metas e de seus objetivos.

Por outro lado, um dos princípios do SISA é a transparência e a participação social na formulação e execução de suas ações. Assim, para cumprimento desse princípio, como forma de oferecer maior legitimidade ao Sistema e para garantir a preservação do interesse público, criou-se a Comissão Estadual de Validação e Acompanhamento do SISA, um fórum com participação paritária da sociedade civil. Enquanto o Instituto se consubstancia como o coração de regulação e controle do sistema, a Comissão garantirá o comprometimento e o alinhamento das normas, subprogramas e projetos com os verdadeiros interesses da sociedade acreana.

Além, criou-se um Comitê Científico, que se apresenta como um órgão consultivo vinculado ao Instituto de Regulação, Controle e Registro, com uma composição heterogênea formada por pesquisadores de renome nacional e internacional de diversas áreas das ciências humanas e sociais, exatas e biológicas, dentre outras, convidados pelo Poder Público estadual com a finalidade de opinar sobre assuntos estratégicos do programa, como questões técnicas, jurídicas e metodológicas relativas ao SISA, trazendo para o Programa o melhor conhecimento científico disponível como elemento crítico para o seu sucesso e o reconhecimento das atividades do estado no âmbito nacional e internacional.

Já a Agência de Desenvolvimento de Serviços Ambientais - uma empresa criada na forma de sociedade anônima, com capital misto e natureza jurídica privada - poderá fomentar a elaboração de ações e projetos, bem como estabelecer e desenvolver estratégias voltadas à captação de recursos financeiros e investimentos nos programas, subprogramas e projetos, buscando investidores privados para tornarem-se sócios do processo. Terá possibilidade, também, de captar recursos financeiros oriundos de fontes públicas, privadas ou multilaterais, criando planos de ação e projetos viáveis. Poderá, dessa maneira, criar uma competência específica que a permitirá assessorar a concepção e a execução de projetos públicos vinculados aos subprogramas e também privados, quando se estabelecer uma relação volitiva entre as partes, ou seja, quando expressamente solicitado pelos potenciais proponentes.

Todavia, a Agência não se limitará à concepção de projetos, pois também terá atribuições executivas em relação aos programas, subprogramas, planos de ação e projetos do Sistema, podendo, para isso, gerir e alienar, na medida de suas competências, os ativos e créditos resultantes dos serviços e produtos ecossistêmicos oriundos das atividades que desenvolve.

Prevê-se, ainda, a criação de uma ouvidoria geral do Sistema, constituído por um ouvidor e vinculado à Secretaria Estadual de Meio Ambiente, tendo por atribuições receber sugestões, reclamações, denúncias e propostas de qualquer cidadão ou entidade em relação a questões do Sistema. Poderá, dessa forma, ser acionado em denúncias de atos ilegais, irregulares, abusivos, arbitrários ou desonestos praticados no âmbito do SISA, analisando e acompanhando, na sequência, a tramitação das denúncias e transmitindo as soluções ao interessado.

Quem vai se beneficiar com o SISA?
O primeiro desafio para uma proposta que contemplasse soluções para um modelo de incentivo a serviços ambientais é a definição de quem poderia ser considerado provedor e em que circunstâncias o provedor poderia ser considerado um beneficiário do Programa. Essa divisão entre o provedor e o beneficiário se torna importante porque o SISA baseia seu financiamento em resultados concretos de conservação e preservação ambiental e, assim, os participantes devem estar sujeitos ao processo de verificação, de registro e de monitoramento. Isso significa que nem todo detentor de floresta ou de outras fontes de serviços ambientais é provedor e nem todo provedor é beneficiário para o Sistema.

Por tal razão, no SISA, considera-se como provedores de serviços ambientais aqueles que promovam ações legítimas de preservação, conservação, recuperação e uso sustentável de recursos naturais, adequadas e convergentes com as diretrizes da lei, com o Zoneamento Econômico-Ecológico, com a Política Estadual de Valorização do Ativo Ambiental Florestal e com o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento do Acre.

Já para ser considerado efetivo beneficiário do Programa, o provedor de serviços ambientais deve estar integrado a um dos Programas/projetos/planos de ação do SISA, para que seja possível a medição, o monitoramento, o controle social, a verificação e a contabilização dos resultados das ações no âmbito dos subprogramas e projetos.

Por esta razão, o direito de se habilitar aos benefícios previstos no programa somente se constituirá após a aprovação do que se chama de “pré-registro” de cada projeto, que é o procedimento pelo qual se confirma que o projeto segue uma técnica adequada e que o conjunto da sociedade, por meio da Comissão de Validação e Acompanhamento, concorda com sua implantação.

Quais são os benefícios do SISA?
Os Projetos, antes de serem apresentados ao Instituto de Regulação, Controle e Registro, deverão buscar fontes para financiar as ações para sua execução, pois somente depois de cumpridos os compromissos assumidos é que eventuais emissões reduzidas serão registradas e gerarão “créditos”. A Agência de Desenvolvimento de Serviços Ambientais poderá auxiliar na busca desses investidores, que poderão ser sócios no empreendimento.

Dessa forma, os beneficiários do SISA – portanto aqueles que fazem parte de algum projeto aprovado junto ao SISA – serão apoiados de duas maneiras distintas, em momentos diferentes: com a aprovação do projeto, o cumprimento dos compromissos assumidos no projeto exigirão, dentre outras coisas, assistência técnica, novas tecnologias e insumos suficientes para evitar o desmatamento e a degradação florestal.

Isso significa que, durante a execução dos projetos, as pessoas neles envolvidas já estarão recebendo uma série de benefícios na sua área; em um segundo momento, periodicamente, serão feitas medições, quantificações e certificações das reduções de emissão, que serão registrados junto ao Instituto e, assim, de posse das reduções certificadas, abre-se a possibilidade de negociação de “créditos de carbono” e conseqüente geração de retorno financeiro aos beneficiários e parceiros. A agência, nesse ponto também, poderá servir de auxílio.

Por fim, é importante ressaltar que o custo médio da tonelada de carbono-equivalente no mercado gira, hoje, em torno de quatro dólares, podendo chegar - a depender dos acordos internacionais para um mercado global obrigatório - a cerca de vinte dólares em 2020. Na média, cada hectare na Amazônia possui em torno de cem toneladas de carbono estocadas, dos quais uma parcela seria emitida para atmosfera pela alteração do uso do solo. Uma vez substituído esse processo de degradação por meio de projetos de serviços ambientais, essa parte reduzida das emissões poderá gerar créditos aos provedores beneficiários, na forma em que acordar com os investidores e previsto nas metodologias aprovadas pelo Instituto.

Em síntese, o modelo proposto possui características que se amoldam às proposições em discussão no âmbito internacional em relação a um futuro mercado obrigatório (por meio de acordos no âmbito da ONU) e, também, flexível o suficiente para coexistir com eventual sistema nacional de pagamento a serviços ambientais (já que há projetos de lei com este tema em trâmite no Congresso Nacional).

Por sua vez, o ISA Carbono permitirá, a implantação e a gestão de um mercado de carbono vinculado à redução de emissões de gases de efeito estufa oriundos de desmatamento e degradação, ao fluxo de carbono, ao manejo florestal sustentável e à conservação, manutenção e aumento dos estoques de carbono florestal (REDD+), sempre com controle social, compartilhamento equitativo dos benefícios e o respeito aos direitos humanos, consolidando uma eco-economia de baixa intensidade de carbono e uso sustentável dos recursos naturais no Estado do Acre, ao lado do desenvolvimento econômico e social de toda a sua população.


Para apresentar as considerações teóricas e a descrição sobre a criação do Sistema de Incentivo a Serviços Ambientais no Estado do Acre e seu fomento em diversas áreas, o entrevistado escreveu o artigo para o Projeto “SISTEMA DE INCENTIVO A SERVIÇOS AMBIENTAIS - SISA E REDD + NO ESTADO DO ACRE: CONTRIBUIÇÕES PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA AMAZÔNIA”, que integra o terceiro e-book do Projeto – Serviços Ecológicos.

O artigo também está disponível na seção artigos, no site do Projeto. Clique aqui para acessar.


Foto: Divulgação

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