Realização:

Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos

O Projeto Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos, coordenado pelo Instituto O Direito por um Planeta Verde tem como meta fomentar o desenvolvimento de instrumentos regulatórios relacionados às mudanças climáticas nos países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela, integrantes do Tratado de Cooperação Amazônica. LEIA MAIS

notícias
 IMPRIMIR
 GERAR PDF
 ENVIAR PARA AMIGO
Seu nome:    Seu e-mail:    E-mail do amigo:   

13/10/2013

Entrevista: REDD+ somente será bem sucedido com participação local


A pesquisadora Maria Fernanda Gebara explica por que é fundamental ouvir as comunidades tradicionais e garantir a distribuição justa dos benefícios dos projetos de conservação florestal.

Explicando de forma simplificada, o REDD+ é um mecanismo que tem como objetivo reduzir as emissões de gases do efeito estufa através da conservação florestal. Mais do que isso, a promessa é que ele seja uma ferramenta para melhorar a vida das comunidades locais, garantindo seu desenvolvimento sustentável.

No entanto, já existem casos documentados de que a busca pelo lucro com os créditos de carbono, que são gerados pelos projetos de REDD+, acabam resultando em conflitos e na expulsão de pessoas de suas terras.

Assim, é preciso buscar cada vez mais informar a sociedade sobre as vantagens e riscos que esse instrumento pode representar e como a diferença entre um e outro está no respeito dos direitos e interesses dos povos locais.

Nesse sentido, conversamos com a pesquisadora Maria Fernanda Gebara, do Centro de Direito e Meio Ambiente da Fundação Getulio Vargas (FGV/RJ) e consultora do Centro Internacional de Pesquisa Florestal (CIFOR).

Gebara trabalha desde 2004 com temas como mudanças climáticas, incentivos e instrumentos políticos e econômicos para conservação florestal, REDD+, repartição de benefícios e manejo florestal sustentável e participativo. Nesse período já prestou consultoria para entidades como a ONG The Nature Conservancy (TNC), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Ministério do Meio Ambiente (MMA).

Um dos seus trabalhos mais recentes é o estudo “Importance of local participation in achieving equity in benefit-sharing mechanisms for REDD+: a case study from the Juma Sustainable Development Reserve”, realizado enquanto Gebara era pesquisadora visitante do Oxford Centre for Tropical Forests (OCTF), na Universidade de Oxford. Trata-se de uma avalição da relação entre a participação local e a distribuição equitativa de benefícios no Projeto Juma.

O Juma foi o primeiro projeto de REDD+ do mundo certificado como “nível ouro” dentro do Padrão Clima, Comunidade e Biodiversidade (CCBA) em 2008 e está localizado dentro da uma unidade de conservação do Estado do Amazonas.

Instituto CarbonoBrasil: Poderia nos resumir as conclusões desse estudo sobre o Projeto Juma?

Maria Fernanda Gebara: A minha pesquisa buscou analisar o papel da participação local no alcance de uma distribuição justa e equitativa de benefícios em iniciativas de REDD+. Os resultados dessa análise indicam que objetivos de mitigação e adaptação relacionados a REDD+ são mais prováveis de serem alcançados se a criação e a implementação de mecanismos para distribuição de benefícios envolverem processos democráticos e interativos de participação local. Isso porque, tais processos levarão a uma maior flexibilidade na definição de benefícios e mecanismos de distribuição dos mesmos, refletindo as necessidades locais. As duas principais constatações do trabalho são: (1) critérios de equidade devem ser considerados ao definir benefícios e não apenas quando eles são distribuídos; e (2) dadas as complexas relações e questões por trás do desmatamento, é importante adotar uma estratégia multidimensional ao identificar beneficiários, benefícios e criar mecanismos de distribuição. O desmatamento tem causas multidimensionais, sendo assim, uma abordagem multidimensional – que reflita não só os custos, mas também as necessidades dos diferentes atores locais – é a mais apropriada para atingir uma distribuição de benefícios equitativa. Além disso, a geração de co-benefícios, tais como a redução da pobreza, por exemplo, é mais provável com uma estratégia multidimensional.

ICBr: Segundo seu estudo, a maioria das pessoas afetadas pelo Juma afirmou que as reuniões com os coordenadores “foram mais para informar do que para construir o projeto e seu mecanismo de distribuição de benefícios”. Na sua visão, a participação do povo local aconteceu muito tarde?

MFG: O processo de participação local tem, na maioria das vezes, a sua importância subestimada por proponentes e implementadores de iniciativas de REDD+. Conforme as decisões da Convenção Quadro das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (UNFCCC) no assunto, a participação deve ser livre, prévia e informada. Trata-se de assegurar a presença de informações e consulta prévias sobre qualquer proposta de iniciativa, seus prováveis ​​impactos e a participação de atores impactados. Argumenta-se na literatura que somente assim é possível construir intervenções e incentivos que reflitam as prioridades dos atores impactados e que sejam relevantes às suas realidades. Alguns críticos apontam que a participação é, muitas vezes, usada apenas como um instrumento para atingir objetivos pré-definidos e não como um processo para capacitar e empoderar os grupos e indivíduos a assumirem a liderança e melhorarem a sua qualidade de vida (veja, por exemplo, Cornwall, 2000 e Cleaver, 2001).

No caso do Juma, as comunidades na reserva foram informadas do que foi previamente decidido pelos implementadores do projeto e, por mais que tenham ocorrido reuniões para explicar o projeto, a construção e decisões sobre o mesmo foram realizadas por agentes externos. O papel crucial da participação local no desenvolvimento de mecanismos de repartição de benefícios é desenvolver abordagens que sejam flexíveis, adequadas e capazes de garantir a eficácia dos esforços de atores locais para reduzir o desmatamento e a degradação florestal. Tais abordagens são mais propensas a acontecer quando há uma participação interativa e automobilização (Pimbert e Pretty, 1994), porque essas formas de participação pressupõem o envolvimento de atores locais no controle das decisões. Existe o risco, no entanto, de que mecanismos de repartição de benefícios acabem reforçando o status quo e que o controle dessa distribuição fique nas mãos de desenvolvedores de projetos ou governos centrais, e, por sua vez, recursos distribuídos de acordo com seus próprios critérios.

ICBr: Qual a sua opinião sobre o programa Bolsa Floresta, que é repassado pelo Projeto Juma para as comunidades?

MFG: O programa Bolsa Floresta é um modelo interessante, uma vez que possui quatro componentes que reúnem diferentes tipos de benefícios, tais como pagamentos diretos, incentivos à diversificação da renda, estímulo às associações e melhorias sociais como educação e saúde. O programa demonstra a importância de oferecer benefícios que atendam às exigências sociais, organizacionais e financeiras (principalmente a geração de renda) de atores locais. No entanto, trata-se de um formato único para todo o Estado do Amazonas, que ainda precisa considerar algumas das necessidades e realidades locais de diferentes unidades de conservação onde é implementado.

No caso do projeto Juma, as respostas ao questionário revelaram que, como as famílias na reserva não tinham fácil acesso a serviços como educação, saúde, água e energia, os benefícios sociais do componente social do programa (Bolsa Floresta Social) são muito importantes, uma vez que fornecem benefícios permanentes e que não criam dependência. Além disso, segundo a maioria dos entrevistados, esses benefícios foram mais eficazes em modificar o comportamento dos atores locais do que os pagamentos diretos (Bolsa Floresta Família). Por exemplo, como um dos coordenadores local do projeto observou, ver seus filhos frequentando a escola foi um incentivo para as famílias cumprirem os seus compromissos de conservação. Dentro do componente social do programa, diferentemente do que aconteceu nos outros componentes, os benefícios distribuídos na reserva do Juma foram definidos após uma análise das condições socioeconômicas das famílias que moram na reserva. O objetivo da análise foi identificar as principais necessidades dessas famílias, a fim de decidir como os recursos seriam mais bem utilizados. Esse é um exemplo de como o papel dos atores locais na aplicação de recursos e na tomada de decisão é importante para a transformação social.

ICBr: É possível realmente consultar as comunidades em todas as etapas de projetos de REDD+? Não chega a ser algo quase utópico, pois seriam necessários anos para alcançar um consenso com todas as partes envolvidas?

MFG: A experiência do projeto Juma demonstra que, em relação à distribuição equitativa de benefícios, é importante que haja uma participação prévia dos atores impactados para que os benefícios sejam claramente definidos antes de serem tomadas quaisquer decisões sobre a forma de distribuí-los. Com a definição prévia de benefícios, é possível identificar o que vai funcionar, qual a forma mais eficaz de distribuí-los para os atores locais e quais benefícios serão mais eficientes na mudança de comportamento. Isso é importante para atender e para lidar com uma variedade de necessidades das múltiplas partes interessadas. A participação prévia também irá aumentar a probabilidade de adicionalidade e permanência dos benefícios. Considerando que o desmatamento tem causas multidimensionais, sugere-se que as abordagens para a identificação de beneficiários, benefícios e criação de mecanismos de repartição sejam multidimensionais. Como sugerido por Bengston (1994), uma abordagem multidimensional permite uma análise da percepção e do valor que os atores locais atribuem às florestas com base em vários quadros de avaliação e proporciona uma compreensão mais rica e abrangente de mecanismos de repartição de benefícios em comparação com uma análise unidimensional.

Além disso, benefícios devem ser desenvolvidos de acordo com as capacidades locais e ser revisados e monitorados ao longo do tempo para garantir a equidade, a permanência e a adicionalidade de seus impactos. Na ausência de processos de revisão, como no caso do programa Bolsa Floresta, há o risco de que atores locais fiquem presos a compromissos inadequados de longo prazo, o que significa que os benefícios que eles recebem se tornam insuficientes para cobrir os custos e necessidades de redução do desmatamento. Uma consideração final, mas não menos importante, é que o fortalecimento da organização local e das habilidades de negociação dos atores impactados parece ser vital para garantir que os benefícios sejam distribuídos de acordo com uma abordagem de “baixo pra cima”, em vez de uma abordagem de “cima pra baixo”, com base em critérios discricionários.

A maioria das famílias entrevistadas sugeriu que a introdução de mecanismos para resolver os conflitos sociais é crucial, indicando a necessidade de mecanismos de reclamação acessíveis e transparentes no projeto Juma. Como Ostrom (1990) afirma, “todos os esforços para organizar a ação coletiva, seja por um agente externo ou um conjunto de entidades que desejam obter benefícios coletivos, devem abordar um conjunto comum de problemas”. Somada a isso, a falta de monitoramento dos impactos sociais pode fazer a diferença entre atores locais serem a favor ou contra essas iniciativas. Nesse sentido, duas coisas são importantes para desmistificar a utopia da participação local em iniciativas de REDD+: (1) a capacitação prévia de atores locais para que eles sejam capazes de identificar previamente os benefícios que, de fato, levarão a uma mudança de comportamento local; e (2) o monitoramento da implementação desses benefícios, de modo a garantir a renegociação dos mesmos, se for o caso. Tal monitoramento pode ser organizado pelos próprios beneficiários, de modo a reduzir custos de implementação e aumentar o poder e o envolvimento desses atores em relação à implementação dos benefícios.

ICBr: Qual o papel que o governo federal deve exercer para melhor implementar o REDD+ no Brasil? Estamos avançando sobre esse mecanismo?

MFG: O conceito original de REDD+ vem sendo modificado pela prática, devido à falta de um acordo global no tema e de fortes interesses do setor florestal. As principais mudanças incluem: a) a modificação do foco da redução do carbono pra múltiplos objetivos; b) as políticas que foram adotadas até agora não são direcionadas a compensações por resultado; c) as iniciativas que mais estão recebendo financiamento no momento são subnacionais ou de projeto, em vez de nacionais; d) o financiamento até o momento é de ajuda ao desenvolvimento ou recursos nacionais e não de mercados.

Quando o REDD+ foi criado, uma premissa chave foi de que ele deveria ser nacional e não subnacional e incluir reformas políticas que modificassem incentivos a fim de reduzir o desmatamento. Isso era defendido pela maioria das propostas apresentadas na UNFCCC, principalmente por questões de soberania, mas também de efetividade. No entanto, isso não aconteceu. Algumas razões podem explicar esse fato. Primeiro, reformas políticas nacionais normalmente fogem ao critério “win-win” defendido por muitos atores em relação ao REDD+. São quase sempre “win-lose”, nas quais quem perde são grupos poderosos que movem o desmatamento. Segundo, a disponibilidade de grandes montantes de recursos pós-Bali criou uma pressão para que beneficiários gastassem esses recursos, que foram rapidamente absorvidos por ONGs para ações de preparação para REDD+. E, finalmente, os doadores preferem financiar projetos e programas mais concretos do que reformas políticas – nas quais é mais difícil de monitorar o recurso e sua utilização. Além disso, duas forças têm modificado a ideia de REDD+: o business as usual de interesses comuns que formaram uma forte oposição às reformas políticas e limitaram o espaço de ação política. E, ao mesmo tempo, os próprios defensores de REDD+ também tiveram interesses divergentes relacionados aos fins e aos meios do instrumento.

Para realizar plenamente o seu potencial de mitigação, REDD+ requer uma mudança transformacional na forma de estruturas econômicas, regulatórias e de governança, a remoção de incentivos perversos e reformas do setor florestal e de outros setores, como do agronegócio. Se o processo de REDD+ é capaz de gerar uma mudança transformacional depende de vários fatores. Algumas pesquisas sugerem que um fator chave para alcançar a mudança transformacional é a autonomia do governo em relação a interesses chave que impulsionam o desmatamento e a degradação florestal, bem como a presença de coalizões fortes que exijam que essa mudança ocorra. A apropriação nacional do processo político de REDD+ também é crítica. Somado a isso, é necessário que as intervenções sejam direcionadas para áreas com altos índices de desmatamento e degradação florestal, onde se pode produzir reduções de emissões reais e, assim, garantir a adicionalidade.

Finalmente, a incerteza não deve levar à inércia, que foi um pouco do que aconteceu com o atual governo. A ausência de uma estratégia nacional de REDD+, por exemplo, demonstra a falta de prioridade que a agenda tem na pauta dos ministérios. Além da falta de implementação de políticas que promovam a reforma de incentivos inicialmente proposta por REDD+ (e não só aumentem o comando e controle), existe uma competição entre interesses políticos que promovem o desenvolvimento e aqueles que promovem a conservação. Essa dicotomia entre desenvolvimento e conservação ficou claramente refletida no debate da nova lei florestal no ano passado. Independentemente do que acontecer com o REDD+ como um mecanismo global no processo da UNFCCC, três conjuntos de ações devem ser priorizados pelo governo federal: (1) a construção de um amplo apoio político para REDD+; (2) o estabelecimento de bases para um eventual sucesso de REDD+, e (3) a implementação de reformas políticas que possam realmente reduzir o desmatamento e a degradação florestal e que sejam desejáveis, independentemente dos objetivos climáticos.

ICBr: Sua pesquisa conclui que, se mal implementado, o REDD+ servirá apenas para criar distúrbios nas relações sociais. É preciso parar e repensar o REDD+ ou os projetos devem continuar e irem evoluindo na prática?

MFG: Desenvolvedores de iniciativas de REDD+ devem ter em mente que não há um único formato para REDD+ e que os mecanismos de repartição de benefícios terão que variar de uma área para outra, de modo a considerar aspectos culturais e valorativos de cada local. Mais pesquisas são necessárias para desenvolver diretrizes para a implementação de processos inclusivos, interativos e democráticos de participação local. Finalmente, quando pensamos sobre como distribuir equitativamente os benefícios de REDD+ entre os atores locais e se é realmente possível distribuí-los de forma justa, adicional e permanente, é preciso considerar o quanto esses benefícios são consistentes com as necessidades e esforços de conservação dos atores da área aonde serão implementados.

Essa primeira geração de iniciativas, no qual o projeto Juma está incluído, serve exatamente para pensarmos e aprendermos como o REDD+ pode ser mais efetivo e justo na prática. É natural que nem tudo seja perfeito, uma vez que essa primeira fase serve exatamente para que possamos “aprender fazendo”. No entanto, já no início das negociações de REDD+ falava-se que ele era “um vinho antigo com novo rótulo”. Algumas análises, na época, demonstravam o caráter inovador de REDD+ e debatiam porque iniciativas para conter o desmatamento que existiam antes de REDD+ falharam. Algumas das causas incluem: falta de coordenação das políticas florestais em relação a políticas de outros setores; foco em pequenos produtores e na redução da pobreza; ausência de foco na questão da governança; corrupção; e, finalmente, desconsideração das verdadeiras causas do desmatamento. Causas essas que ainda permeiam o processo de implementação do REDD+. O aspecto inovador do REDD+ era que o carbono estocado nas florestas passaria a ter um valor. O que acontece agora é o risco de perder a característica essencial de REDD+ de pagamentos baseados em resultados e reformas em nível nacional, tornando-se apenas outra forma de ajuda ao desenvolvimento em apoio a projetos de manejo florestal convencional com uma ampla gama de objetivos.

A pergunta mais básica permanece: o REDD+ vai conseguir reduzir significativamente as emissões do desmatamento e degradação florestal e o que será necessário para torná-lo diferente de esforços passados​​? Mesmo neste estágio, no entanto, está claro que, para o REDD+ gerar benefícios justos, adicionais e permanentes, mecanismos de repartição de benefícios terão de ser desenvolvidos e implementados com abordagens inclusivas e dinâmicas flexíveis para garantir que todos os diferentes atores recebam os benefícios apropriados. Senão, o risco é de que o REDD+ sirva apenas para perturbar as relações sociais na floresta e obstruir o processo de redução de emissões.

Fonte: Fabiano Ávila / Instituto CarbonoBrasil / Envolverde


copyright@2008 - Planeta Verde
Este site tem a finalidade de difundir informações sobre direito e mudanças climáticas. Nesse sentido, as opiniões manifestadas não necessariamente refletem a posição do Instituto O Direito por Um Planeta Verde.