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Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos

O Projeto Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos, coordenado pelo Instituto O Direito por um Planeta Verde tem como meta fomentar o desenvolvimento de instrumentos regulatórios relacionados às mudanças climáticas nos países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela, integrantes do Tratado de Cooperação Amazônica. LEIA MAIS

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30/01/2009

FSM 2009: Um outro Direito é possível


“Um outro Direito é, sim, possível.” Essas foram as palavras de uma das participantes da oficina Direito e Mudanças Climáticas na Amazônia, realizada ontem, 29 de janeiro, no prédio da Engenharia de Pesca da Universidade Federal Rural do Pará, durante o Fórum Social Mundial, em Belém. O espaço foi pequeno para acolher o expressivo número de interessados no assunto, quase cem pessoas, incluindo promotores, advogados e juízes. Isabel acredita que um outro Direito é essencial, para que possa vir a ser, efetivamente, um instrumento de transformação social.

A oficina debateu o tema Direito e Mudanças Climáticas, objeto do projeto Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos, desenvolvido pelo Instituto O Direito por um Planeta Verde, em parceria com a Embaixada Britânica. O tema mudanças climáticas, por ser transversal e não restrito a uma área específica, faz repensar paradigmas do Direito, exigindo trabalhar com princípios. “Esse novo Direito tem que estar além da concepção positivista, legalista, a qual impregnou o último século. O novo Direito, ao contrário, baseia-se nos princípios e na dignidade da pessoa humana, é ativo na sociedade, promove a emancipação e a efetivação dos direitos fundamentais”, defendeu a bacharel em Ciências Jurídicas Isabella Pearce, do Piauí, uma das animadas participantes da oficina.

Diversas autoridades jurídicas também marcaram presença no debate, como uma promotora do interior do Pará, que denunciou: a Polícia da sua cidade não atende o telefonema do promotor ou do juiz para acompanhar diligências de crimes ambientais. A realidade do Pará também foi exposta pelo promotor de justiça do Ministério Público do Pará, Raimundo Moraes, que apresentou vários dados sobre o processo de licenciamento ambiental da usina termelétrica da Vale, em Barcarena, a 45 minutos de Belém de barco, na baía de Guajará. Ele diz que os problemas do empreendimento foram “desvelados” através das sete audiências públicas realizadas. “A referência da Vale é a China”, declarou indignado.

Na palestra, Moraes apontou vários dados que foram omitidos e cálculos que não estavam corretos, como no caso do lançamento nas emissões atmosféricas de 18,3 kg/ano de mercúrio da termelétrica, que pretende funcionar com carvão importado de Moçambique ou da Colômbia. Isso sem falar nas 12 toneladas de gesso/hora e nas 13 toneladas de cinzas/hora que pretende largar. “A Vale transfere todos os impactos para o poder público”, assegurou. O promotor também questiona a necessidade da implantação de uma usina a carvão, pois outras formas de geração menos poluentes não foram estudadas. Cabe lembrar que a Vale é a maior consumidora de energia do país. A usina de Barcarena já obteve Licença Prévia do governo do Pará, numa decisão “nula” do Conselho Estadual do Meio Ambiente. Ele acrescenta, ainda, a necessidade de se ter uma avaliação quantitativa do quanto uma obra como essa incrementará o aquecimento global.

Mas, se a ordem é desenvolver a qualquer preço, quem mais sofre com as mudanças climáticas são as comunidades tradicionais. A promotora do estado do Pará, Eliane Moreira, provocou: será que o tema mudanças climáticas é uma nova forma de exclusão dos povos tradicionais? Pois são os povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos que propiciam a manutenção da floresta em pé. Segundo ela, a manutenção das áreas habitadas por essas pessoas não é considerada pelos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo. Segundo a promotora, elas estão excluídas do debate sobre as transformações do clima do planeta. “Eles são os principais atores da proteção, do equilíbrio ambiental, da preservação da biodiversidade e dos recursos hídricos”, observou. Eliane disse que há dados científicos que comprovam isso. E também citou o caso da usina de Barcarena, afirmando que é necessária uma campanha pela moralização do licenciamento ambiental no Pará.

O procurador da República no Pará, Ubiratan Cazetta, começou indagando: até que ponto se acredita mesmo em mudanças climáticas? Ele assegurou que já sente na pele os efeitos desse fenômeno. Há 15 anos morando em Belém, ele avalia que o clima mudou bastante. Para o procurador é preciso mudar a mentalidade da área jurídica, que ainda não acordou para essa nova realidade. “Na sua essência, a justiça é conservadora, reacionária,” comentou. Segundo Cazetta, o Direito Ambiental é muito novo, surgiu a partir da década de 70, e a adoção do princípio da precaução – o estudo dos efeitos de impactos de alguma transformação da natureza antes de se autorizar alguma medida que possa causar modificações significativas nos ciclos naturais – muitas vezes não é considerada porque no mundo, em especial, as questões econômicas não param. Muitos juízes tratam de assuntos sem saber o que pode acontecer com o passar dos anos.

Falta sincronia entre os fatos e o juiz, o que o distancia da idéia do senso comum. Não faz parte da formação jurídica uma visão socioambiental. Também não integra sua formação a compreensão de como deveria ser um desenvolvimento sustentável. O juiz federal Ney de Barros Bello Filho, do Maranhão, declarou que, na maior parte dos casos, o juiz opta pela lógica do Direito Criminal ou Tributário, aplicando-a ao Direito Ambiental. Nesses Direitos a punição é e deve ser a posteriori, mas na área ambiental trabalha-se com a incerteza, por isso se impõe o dever de não fazer, não permitir. Em Direito Ambiental, a decisão precisa ser emergencial, e exige a aplicação do princípio da precaução, diferenciando-se do paradigma clássico. Como exemplo, Bello Filho mencionou a determinação de juízes que mandaram fazer o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) de empreendimentos que já estão em funcionamento há quatro anos, quando o correto seria o estudo ter sido feito antes do pedido de Licença Prévia, a primeira etapa da entrada do processo de licenciamento ao órgão ambiental competente. “E isso faz parte do dia-a-dia, não se pode ter a mesma lógica jurídica para o tratamento de ações ambientais”, sustentou. Bello Filho apontou a falta de aproximação entre a forma clássica de pensar e o problema ambiental, o que gera decisões ambientais anacrônicas, porque raciocinam a preservação ambiental no paradigma clássico e não no da sociedade contemporânea. “A aplicação a posteriori do direito ambiental não contribui para o estado de preservação ambiental. ”É difícil mandar demolir o que já está feito, como hidrelétricas, termelétricas e outras construções.

Já a juíza do Estado do Pará, Luzia do Socorro Silva dos Santos, disse que a tutela ambiental une todos os povos, o que é assegurado no Artigo 225 da Constituição Federal. Ela entende que é urgente a aplicação de todos os mecanismos de proteção, para a construção de uma sociedade mais justa, livre e solidária. “O discurso, a retórica deve ser coerente com as ações”, reivindicou a juíza. Ela considera que a sociedade precisa ter acesso às autoridades, é preciso ter um canal de comunicação com a comunidade. “Não vou me acostumar com o mapa da exclusão social do Pará, onde mais da metade da população vive abaixo da linha da pobreza”, afirmou, indignada. Para Luzia, “a culpa é de todos nós, que deixamos isso acontecer”. Ela também criticou os municípios que muitas vezes se omitem de participar do processo de licenciamento ambiental. “Jogam tudo para o Ibama.” Ela denuncia ainda a perda de bens culturais das populações tradicionais. “Isso é urgente, não pode esperar mais”, desabafou. Mas, para isso, é necessário a sociedade acordar, pois os juízes cuidam dos processos sob uma ótica administrativa, quando deveriam analisar também sob o aspecto jurídico.

Planeta Verde no FSM

Depois do caloroso debate, a presidente do Planeta Verde, Sílvia Cappelli, alertou: “O Direito Ambiental pode entrar em declínio”. “Se não se reestruturar, pode virar um apêndice do Direito Econômico”, frisou. Ela convidou a todos para a capacitação que o Instituto oferece: os congressos Brasileiro e Latino-americano de Direito Ambiental, que são tradicionalmente realizados na Semana do Meio Ambiente, no mês de junho, em São Paulo.

No começo dos trabalhos, a secretária-geral do Planeta Verde e coordenadora do projeto Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos, Vanêsca Prestes, explicou a atuação do projeto. A idéia é estabelecer conexões entre o Direito e as mudanças climáticas, uma vez que o tema tem a ver com vários campos do Direito e são necessárias novas formas de encarar os paradigmas. O projeto vai pesquisar as legislações de Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela – países membros do Tratado de Cooperação Amazônica. Além desse levantamento, constam entre os produtos do projeto a apresentação de proposições, a difusão de informações, a publicação dos resultados e a construção deste site, o www.planetaverde.org/clima, no qual está sendo montada uma biblioteca digital sobre legislação e mudanças climáticas.

A oficina foi uma promoção do Planeta Verde, através do projeto Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos, em conjunto com a Associação dos Magistrados Brasileiros e a Escola Nacional de Magistratura, e contou com o apoio da Associação dos Magistrados do Estado do Pará. Para o presidente da ENM e diretor do Planeta Verde, Eládio Lecey, que coordenou a oficina, é imprescindível incluir o Direito Ambiental na formação dos magistrados e dos universitários. A disciplina recém foi incluída nos currículos dos cursos jurídicos e é optativa. Ele destacou ainda que a oficina proporcionou um diálogo entre magistrados e agentes do Ministério Público e o público participante, de acentuada diversidade. “O juiz de hoje não pode mais ser aquele homem distante da comunidade e deve ser também responsável pela preservação ambiental”, conclui o desembargador.


Mais informações Silvia F.M.
Silvia.fm@planetaverde.org
silvimarcuzzo@hotmail.com
Fones 51.93416213 e 11.83829831
www.planetaverde.org/clima


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